Fim de ano (Natal e Ano Novo)
Todo ano, a essa época, ponho-me a escrever sobre o Natal... E, por extensão lógica, melhor dizer cronológica, sobre o Ano Novo.
Temo que, de uma forma ou de outra, acabe por escrever sempre a mesma coisa: “só uma outra forma de dizer” — “variações em torno de um mesmo tema”, diria certo amigo pianista...
Maravilha-me ver pessoas que passaram o ano todo se digladiando, à época do Natal, abrirem os braços e se confraternizarem. Esquecem-se, com bastante facilidade, as lágrimas que fizeram derramar e, com dificuldade recalcitrante, as que derramaram...
Mas não importa! A confraternização vem e invade o coração de todos... Com sorte até depois do Carnaval... Quando acaba a euforia e retorna a realidade.
Os confraternizantes¹, então, engalfinham-se na luta feroz pela sobrevivência e inicia-se um novo embate: “Aquele filho da puta!”... “Acabo com ele!”... “Crápula!”... “Mas fodo com ele!”...
E assim vai, até o fim do ano, quando os sobreviventes, em sublime exercício de confraternização, esquecer-se-ão novamente das liças conspurcantes¹ em que se envolveram a fim de estarem ali, vivos, alegres e felizes.
E os que não sobreviveram? Ou os que se encontram então capengas, pela prostração da humildade e ausência de imposição de força aos seus semelhantes?
Bem, esses foram ou são os fracos. Não lhes caberiam, mesmo, perdoar, não há interesse de com eles se confraternizarem; tampouco há de se falar em perdoá-los, eis que nada fizeram que merecesse perdão.
Enfim, as confraternizações de final de ano, efêmeras, fugazes, são mesmo frutos distorcidos do eudemonismo e epicurismo: perdoa-se ou assim se finge, esquece-se ou assim se simula, não porque esta é a coisa certa a fazer, tampouco porque os confraternizantes¹ mereçam, mas porque nos dá prazer! Desejamos nos sentir melhor e, para isso, quebram-se todos os paradígmas da coerência, da racionalidade. Sentimo-nos, com isso, à imagem e semelhança Dele... O homem, na sua sede de superioridade, não deixou por menos e elucubrou meio de qualificar-se como a imagem e semelhança Dele!
Acaso o conhecem? Sabem como ele é? Já o viram?
Não importa! O que importa é que é fim-de-ano, hora de expiar-se os pecados, eliminar-se as desigualdades, a Ele igualar-se. E se não formos à imagem e semelhança Dele, Ele que, com seu Grande Poder, trate de se parecer com nós... Ou seria Nós?
¹ Neologismos não dicionarizados.
Um texto corajoso; afinal, em pleno cerne da ocasião festiva, traz à tona uma reflexão forte e pertinente acerca dessa questão, da efemeridade e da fluidez das demonstrações de afeto, generosidade e humildade " natalinas". Gosto muito de ler-te, suas palavras sempre inteligentes.
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